O Chulah paquistanês de Yasmeen Lari — um fogão ao ar livre usado por mulheres no sul da Ásia — é uma intervenção poderosa que destaca o compromisso da arquiteta com o ativismo feminista e ambiental. O projeto aborda simultaneamente questões de desmatamento, poluição e riscos à saúde enfrentados por mulheres em áreas rurais. Seu design é sistêmico, localmente específico e consciente das necessidades dos mais vulneráveis na sociedade: mulheres e natureza. Seu vasto corpo de trabalho humanitário elaborado em Yasmeen Lari: Architecture for the Future, abre diálogo para ver a arquitetura através da lente ecofeminista.
O Chulah paquistanês
Culturalmente, as mulheres do sul da Ásia têm sido guardiãs das tarefas de cuidado - de suas famílias, comunidades e do planeta. Os métodos tradicionais de cozinhar - um desses cuidados - podem expor as mulheres a queimaduras, incêndios e problemas respiratórios ameaçadores quando realizados em fogueiras nos espaços confinados. Os fogões a lenha de chama aberta predominantemente usados na zona rural do Paquistão também resultam em riscos ambientais, como poluição do ar e alto consumo de combustível fóssil.
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Moldando a história: o impacto das arquitetas sul-asiáticas no período pós-colonialUsando sua perspicácia de design e conhecimento das tecnologias locais de construção, Yasmeen Lari desenvolveu um fogão com barro e cal sem fumaça e de baixo custo que protege as mulheres e o meio ambiente de danos. Uma plataforma de tijolos de barro eleva o fogão, protegendo a área de inundações e proporcionando uma estação de trabalho mais higiênica e ventilada. A dignidade das mulheres encarregadas de cozinhar também se eleva simbolicamente.
O fogão de Lari tem um design ecológico bem arredondado. Ele usa metade da quantidade de combustível normalmente necessária e pode funcionar com resíduos agrícolas de queima limpa, como esterco e tijolos de serragem. Além de uma pegada de carbono reduzida, essa alternativa prioriza o conforto das mulheres, reduzindo o tempo gasto na obtenção das toras cada vez mais escassas.
O Chulah foi uma parte do que Lari chamou de projeto Barefoot Architecture (arquitetura de pés descalços). O conhecimento local e o treinamento permitem que as mulheres construam fogões usando materiais naturais. Ao contrário das alternativas contemporâneas, materiais locais como terra podem ser produzidos e processados por mulheres sem renda. A utilização de práticas indígenas foi fundamental para o sucesso do projeto, capacitando mulheres não alfabetizadas com os conhecimentos que já possuem.
No contexto da cultura muçulmana no Paquistão, o lar é em grande parte o centro da vida das mulheres. O trabalho de Lari reconhece a separação das mulheres da vida pública ao projetar uma infraestrutura essencial para atender às suas necessidades sociais, emocionais e biológicas. Abrigo, água limpa, banheiros seguros, cozinha saudável e espaços comunitários fora de casa são os itens essenciais que Lari identificou como centrais para a arquitetura.
O Chulah paquistanês consegue reduzir o isolamento das mulheres em casa, tornando-se um espaço de comunidade e interação social. Nesse caso, o trabalho de Lari desafia a ideia de espaço público para mulheres paquistanesas enquanto mantém noções culturais. Ela também desenhou espaços para suprir as necessidades sociais das mulheres em seus projetos residenciais Angoori Bagh e Naval.
Yasmeen Lari e o ecofeminismo
Entre os compromissos sociais de Lari está o foco naquelas cujas necessidades foram historicamente silenciadas: as mulheres e a natureza. Seu trabalho pode ser rotulado como “ecofeminista” por abordar simultaneamente as necessidades das mulheres e do planeta. A análise ecofeminista explora os paralelos entre as mulheres e a natureza na cultura, economia, religião, política e iconografia. Feminismo e ambientalismo podem ser combinados para promover o respeito às mulheres e ao meio ambiente, motivados pela noção de que o precedente histórico de associar as mulheres à natureza levou à opressão de ambos.
Como resultado de uma divisão de trabalho por gênero, as mulheres que se ocupam principalmente com as tarefas de cuidado e com a agricultura enfrentam as maiores ameaças causadas pela degradação ambiental. A responsabilidade exclusiva das mulheres por crianças e idosos e como provedoras de alimentos as coloca na linha de frente em tempos de desastres induzidos pelo clima. Como trabalham principalmente em casa e nos campos, as mulheres paquistanesas são particularmente ameaçadas por inundações e secas. Embora as mulheres sejam responsáveis por montar casas em abrigos de emergência, elas são marginalizadas do planejamento de desastres, reconstrução e conversas sobre políticas climáticas.
Em meio à enormidade da destruição climática no Paquistão, que está entre os dez principais países afetados pelo clima, o trabalho de Lari na arquitetura capacita a população a construir suas próprias habitações resistentes a inundações e favoráveis ao clima. Sua abordagem está baseada em técnicas de construção local econômicas e ecológicas, melhorando-as estruturalmente para resistir a inundações e terremotos. A arquiteta também facilitou conversas entre mulheres e organizações para que elas possam expressar suas necessidades.
Por meio da Heritage Foundation de Lari e do Zero Carbon Cultural Center, as mulheres são treinadas para fazer tijolos, chulahs e casas. O espaço também é utilizado por mulheres de aldeias vizinhas para a confecção de telhas cerâmicas ecológicas, que posteriormente são utilizadas nos projetos de Lari. Tornar as técnicas artesanais tradicionais disponíveis para as mulheres da comunidade significa investir em economias locais e sensíveis ao gênero. Os esforços humanitários da arquiteta paquistanesa, apoiando o conhecimento feminista indígena, aumentam a resiliência social e econômica das mulheres. Suas novas habilidades posteriormente ajudam a regenerar as comunidades para facilitar o cuidado com o meio ambiente por meio da eco-arquitetura e de materiais locais.
A arquitetura de Yasmeen Lari é um ato de cuidado: com o planeta e com a vida das mulheres paquistanesas. Mais do que uma arquiteta, seu trabalho a posiciona como uma ativista na intersecção entre feminismo e ambientalismo, apesar de não se identificar como uma arquiteta ecofeminista. Lari visa democratizar a arquitetura e incentivar os profissionais a resolver problemas sociais urgentes com suas habilidades de projeto, independentemente da causa. Ao colocar as experiências cotidianas das mulheres e seus papéis como guardiãs da natureza no centro de seu trabalho, Lari estabelece um precedente com o qual arquitetos e ativistas podem aprender.